Alergia ao látex e biossegurança nos centros médico-hospitalares
De forma natural, o sistema imunológico defende e protege o corpo da invasão de micro-organismos e agentes agressores, através da chamada resposta imune ou resposta imunológica. A alergia ao látex é uma reação imunomediada, ou seja, quando este sistema de defesa do organismo não reconhece o agressor e por isso ataca células saudáveis do próprio corpo.
O látex, ou borracha natural, é uma substância produzida a partir da seiva de Hevea brasiliensis, uma árvore típica do Brasil, mais conhecida como Seringueira. Esta borracha é amplamente utilizada para a confecção de diversos materiais, como luvas, sondas, cateteres, chupetas, brinquedos, balões de festa, preservativos, entre outros. Somente na área médica, estima-se que mais de 40.000 produtos sejam produzidos utilizando-se o látex.
Apesar da prevalência de sensibilização pelo látex na população geral ser menor do que 1%, ela pode chegar a 30% em grupos de risco específicos. Os principais grupos de risco para a alergia ao látex são os pacientes submetidos a múltiplas cirurgias, como os portadores de espinha bífida, os portadores de extrofia vesical, os trabalhadores da área da saúde, os operários da indústria do látex e os próprios seringueiros.
Existem dois tipos de alergias ao látex. O primeiro tipo, o mais comum, é a dermatite de contato que é desencadeada por substâncias químicas que são adicionadas ao látex na produção da borracha. Os sintomas são prurido, eritema, edema e, ocasionalmente, pequenas bolhas, principalmente nas mãos. O segundo tipo, mais raro, mas muito mais grave, é a alergia tipo anafilática. Esta é uma reação às proteínas contidas na borracha, que, quando em contato com a pele, aspirada ou ingerida, pode causar urticária de contato, conjuntivite, rinite, crises de asma e até, em casos mais graves, choque anafilático, podendo levar à morte, caso não seja imediatamente tratado.
Pessoas atópicas (geneticamente predispostas ao desenvolvimento de alergias) apresentam risco aumentado de sensibilização comparado às não atópicas. Infelizmente, a frequência de anafilaxia ao látex vem aumentando, principalmente nos grupos de risco elencados mais acima.
Algumas pessoas alérgicas ao látex apresentam sensibilização cruzada a alimentos. Isso significa que o anticorpo IgE, produzido pelo sistema imune, ao mirar a proteína do látex, atinge também proteínas do alimento que tem estrutura semelhante. Assim, a pessoa vai apresentar reação alérgica não apenas ao látex, mas também a tais alimentos. A este problema dá-se o nome síndrome látex-fruta, pois frutas foram os primeiros e os mais frequentes alimentos descritos com reações cruzadas ao látex. As principais frutas causadoras dessa síndrome são: banana, nozes, abacate, pêssego, maracujá, mamão, amendoim, avelã, kiwi, abricó, frutas cítricas, cereja, coco, uva, pêra, melão, manga, e frutas secas, mas reações cruzadas com pólens, tomate, mandioca, batata e cenoura também já foram descritas.
Especialmente os pacientes de extrofia vesical devem ter cautela quanto à exposição ou uso de materiais que contenham látex, ainda que não tenham apresentado qualquer sintoma alérgico.
A alergia ao látex deve ser diagnosticada pela história clínica cuidadosa, especialmente levando-se em conta as diversas cirurgias no paciente com extrofia vesical, exames laboratoriais (IgE sérica específica) e testes alérgicos. A detecção de anticorpos IgE específicos e os testes cutâneos positivos conferem alto grau de certeza ao diagnóstico. Ao se confirmar o diagnóstico, o passo seguinte é a eliminação de todas as fontes de látex às quais o paciente pode se expor e identificá-lo durante atendimentos médico-hospitalares, exames laboratoriais e procedimentos odontológicos para que ele não corra riscos.
Recentemente, o Colégio Americano de Alergia, Asma e Imunologia (ACAAI) classificou a alergia ao látex como problema de saúde pública e uma doença ocupacional. Devido a crescente incidência desse tipo de sensibilidade, a indústria já vem criando alternativas ao látex, como vinil, silicone, algodão, nitrile e poliisopreno sintético (presente na alternativa para luvas, camisinhas, entre outros produtos), fazendo crescer o mercado do latex-free. Nos Estados Unidos e em diversos países europeus, o látex vem sendo retirado progressivamente do ambiente hospitalar.
Infelizmente, o cuidado ao paciente com alergia ao látex ainda é deficitário. Desde a dificuldade em se montar uma sala cirúrgica “latex-free” até a falta de recursos para pesquisa em alergia ao látex, nos deparamos com uma realidade que dificulta o cuidado para com o paciente alérgico ao látex. Até mesmo o diagnóstico de alergia ao látex fica penoso pela falta de extrato de látex padronizado disponível. Por tudo isso, a alergia ao látex se mostra um tema atual e que ainda tem muito a ser aprofundado.
Ainda não há tratamento padronizado contra a alergia ao látex. No entanto, a imunoterapia sublingual está sendo testada, porém, ainda não se confirmou de forma definitiva a segurança e a eficácia deste tipo de abordagem. A crise de anafilaxia, ao se inalar ou ter contato com o látex, deve ser tratada como qualquer outra crise anafilática, principalmente com o uso da adrenalina e oxigenação pulmonar.
O gerenciamento adequado dos pacientes com alergia ao látex envolve programas educativos a respeito de como evitar a exposição ao látex, em luvas, balões, preservativos e outros produtos, atenção a reações cruzadas com frutas, e planos de emergência no caso de reações ocorrerem, não minimizando o potencial das reações alérgicas.
-
- Presente em luvas, bexigas e camisinhas, o látex pode causar alergias graves, Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Disponível em <https://www.hospitaloswaldocruz.org.br/imprensa/releases/presente-em-luvas-bexigas-e-camisinhas-o-latex-pode-causar-alergias-graves>. Acesso em: 08 de dez. de 2020.
- Alergia ao Látex em Profissional da Saúde, Hospital Federal dos Servidores do Rio de Janeiro/Ministério da Saúde. Disponível em <http://www.hse.rj.saude.gov.br/profissional/revista/33/latex.asp>. Acesso em 08 de dez. de 2020.
- Anafilaxia ao Látex, Departamento Científico de Anafilaxia da ASBAI – Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (2017-2018). Disponível em <https://asbai.org.br/anafilaxia-ao-latex/>. Acesso em 08 de dez. de 2020.
- SÁ, Adriano Breno de; MALLOZI, Márcia C.; SOLÉ, Dirceu; Alergia ao látex: atualização. Artigo de Revisão, 2010, Revista Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Disponível em <http://www.sbai.org.br/revistas/Vol335/alergia_33_5.pdf>. Acesso em 08 de dez. de 2020.
Sobre o autor / colaborador
Napex Extrofia Vesical
Todos os materiais disponibilizados no site, incluindo, entre outros, trabalhos artísticos, fotografias, gráficos, clipes de áudio, videoclipes, textos e marcas comerciais (coletivamente, os “Conteúdos”), são de propriedade exclusiva do NAPEX ou de seus licenciadores. Consulte os nossos Termos de Uso para saber sobre limitação de responsabilidade, direitos de propriedade intelectual, notificação de violação de direitos autorais, isenção de conteúdo e garantias, dentre outros.
Leave a Reply