Sua magestade, o Bebê
Ao longo dos últimos anos, venho atuando em uma equipe de saúde interdisciplinar que oferece assistência ao paciente e sua família desde o diagnóstico antenatal de anomalia congênita urológica até a vida adulta. Em cada período surgem questões e demandas específicas.
Inicialmente, optamos por discorrer brevemente sobre o momento do nascimento da pessoa com extrofia vesical, abordando as questões emocionais dos pais e o tratamento de crianças na primeira infância. A maternidade e a paternidade são compreendidas como vivências que vão muito além dos cuidados básicos com a criança, são relações marcadas pelo afeto que vão possibilitar o vínculo e o desenvolvimento da criança. As experiências anteriores da mulher e do homem com seus próprios pais marcam o significado de “‘ser mãe” e “‘ser pai”. São papéis construídos na relação com o bebê e influenciados pela história de cada um. Quando nasce uma criança, nasce uma mãe, nasce um pai.
O nascimento de um filho provoca inevitavelmente mudanças que podem levar tanto a um crescimento quanto a dificuldades no relacionamento conjugal. E isto ocorre mesmo que o bebê seja “saudável”. Isto porque o casal deverá rever ou criar papéis no relacionamento, e sem dúvida esta tarefa é mais difícil quando se trata do primeiro filho e/ou este filho nasce com uma malformação congênita.
Sendo assim, a maternidade e a paternidade não são inatas, são construídas na relação entre a mulher-mãe, o homem-pai, e o filho. Ter um filho é a possibilidade de os pais se perpetuarem; no filho são projetados sonhos e projetos. Muito comum ouvirmos dos pais: “Meu filho não vai passar pelo que eu passei”, “meu filho vai estudar, vai ser médico”. Enfim, no filho estão depositados os sonhos desta mãe, deste pai e especialmente os sonhos frustrados.
Os pais de filho com malformação têm sua autoestima afetada, uma vez que o filho doente acaba sendo visto em alguns momentos como um sinal de fracasso e frustração. As características do bebê têm influência ativa na interação com a mãe, favorecendo ou não uma relação saudável entre o bebê e seus pais, na medida em que suas características gratificantes ou frustrantes contribuem para determinar a autoestima dos pais neste primeiro momento, em alguns casos. Diante do impacto do nascimento, os pais muitas vezes, se calam e omitem de outros familiares o nascimento do filho com extrofia vesical.
Ao deparar-se com a malformação de seu filho, muitas angústias e questões surgem diante da situação inesperada e desconhecida. O que fazer? Como fazer? Quais são os riscos à vida do bebê? Por que isto aconteceu conosco? Quem pode nos ajudar? Enfim, muitas inquietações. Cada mulher-mãe, cada homem-pai, reagirá de uma forma única, a partir de sua história, a partir de como foi a relação com seus próprios pais.
Todo este contexto, muitas vezes é antecipado pelo diagnóstico antenatal, pois o avanço da medicina hoje permite a identificação e em alguns casos a intervenção e resolução de algumas malformações.
O que podemos fazer para auxiliar os pais neste momento?
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- A informação e orientação pelo médico especialista com informações claras e objetivas auxiliam e são fundamentais para os pais. Conhecer acerca da extrofia vesical possibilita aos pais a elaboração destas angústias e temores;
- O acolhimento e orientação psicológica aos pais oferecendo uma escuta deste sofrimento e favorecendo a comunicação entre o casal e também com outros filhos, nos casos onde a criança nascida com extrofia tenha irmãos.
- A troca de experiências com pais e pessoas nascidas com extrofia vesical por meio de associações, como o NAPEX.
Quando os pais silenciam, observamos que a elaboração do sofrimento fica comprometida e os pais tendem a ter expectativas idealizadas acerca do tratamento, deixando por vezes de enxergar a criança e suas potencialidades mesmo sendo um bebê nascido com extrofia vesical. A escuta e a fala para estes pais promovem tanto o fortalecimento do vínculo conjugal como o vínculo e o desenvolvimento do seu filho.
Toda doença é uma situação de crise, portanto altera a vida da criança e de sua família, gerando ansiedades, angústias e conflitos. Entendemos crise, como possibilidade de mudança, trazendo desafios continuamente.
As crianças, durante o desenvolvimento da personalidade, enfrentam perigos externos e internos e aprendem a dominá-los (mecanismos de defesa). Por exemplo, é comum as crianças terem objetos (fraldas, brinquedos, chupeta) para se acalmarem quando estão longe dos pais ou vão dormir. Este comportamento é uma forma de lidar com a angústia de separação, e enfrentarem os desafios do crescimento. A criança precocemente doente tem na doença um desafio adicional. Vê-se ameaçada na sua integridade egóica, é desafiada pela dor, pela frustração e pela privação (hospitalização).
Como podemos auxiliar as crianças a vencerem os desafios trazidos pela doença, hospitalização e tratamentos clínicos e/ou cirúrgicos?
Podemos dizer que em cada fase a criança e o adolescente expressarão suas angústias e questões de uma determinada forma.
Quanto menor a criança mais ela dependerá dos pais, da mãe como tradutora do que ocorre com ela, com seu corpo. E a expressão de suas vivências emocionais ocorre pela via somática. Por exemplo:
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- A criança (bebê 6m) interna e apresenta dificuldade para comer, dormir e chora sempre que vê alguém de branco;
- O menino (4a) apresenta reações fóbicas diante de sondas e questiona quando terá um genital como o do papai;
- O adolescente (14a) recusa-se a realizar o cateterismo limpo intermitente e está com dificuldades de inserção no seu grupo.
Poderíamos enumerar aqui diversas dificuldades típicas de cada fase do desenvolvimento, porém o auxílio para resolução dos desafios que a criança, ou melhor, que a pessoa nascida com extrofia enfrentará parte do mesmo ponto. Aqui me refiro à possibilidade de os pais elaborarem a frustração inicial e a partir daí poderem olhar para o bebê como um ser em desenvolvimento, com potencialidades a serem desveladas e desenvolvidas. Para tanto, importante o apoio da equipe de saúde e assistência psicológica nas diversas modalidades (psicoterapia, orientação, abordagens psicoeducativas, entre outras).
Quando os pais estão orientados e seguros acerca das condutas que envolvem o tratamento da extrofia vesical, há maior facilidade de comunicação com os filhos e menos dificuldades nas situações de internação, cirurgias e/ou procedimentos invasivos.
Neste espaço, pretendo compartilhar a experiência com situações que envolvem, cirurgia, desfralde, escolarização, enfim o que envolve a qualidade de vida da pessoa nascida com Extrofia Vesical nas diversas etapas da vida. Se possível, enviem temas e questões que poderiam ser abordadas aqui.
Creio ser este site mais uma ferramenta para o NAPEX trabalhar sua vocação. Acolher, apoiar e informar.
Um abraço a todos
Sobre o autor / colaborador
Dra. Ana Cristina Almeida
Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUPS. Psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae. Especialista em Psicologia Hospitalar (Fundap/Hospital das Clínicas da FMUSP). Em atividades na Divisão de Clínica Urológica e Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da FMUSP, desenvolvendo atividades em assistência, ensino e pesquisa.
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