Uma visão sobre a sexualidade do homem com extrofia
Pais de crianças que nascem com extrofia de bexiga têm três principais preocupações de longo prazo: a continência, a sexualidade e a fertilidade. Nesse comentário de hoje vamos conversar sobre a sexualidade de homens que nascem com extrofia. Para que a vida sexual seja a mais normal possível, é preciso que haja interesse de ter relação sexual (libido), que o homem se sinta confortável e confiante ao despir-se (autoimagem), além de função erétil e tamanho do pênis que possibilitem penetração. Todos esses quatro eixos da sexualidade causam preocupação aos pais sobre o futuro do seu filho extrófico e é uma causa de ansiedade nos adultos acometidos. Discorreremos um pouco sobre eles.O principal desencadeador da libido é a produção normal de testosterona pelos testículos. Quando a produção desse hormônio está reduzida, o interesse sexual diminui. Na extrofia de bexiga os testículos estão na sua posição normal e produzem testosterona satisfatoriamente, logo não há razão para que haja desinteresse sexual por causa hormonal. Entretanto, a ansiedade é outro fator relevante que pode comprometer a libido, podendo, com frequência, levar homens com extrofia a não manifestarem vontade de terem relações sexuais. Medo de intimidade por causa de cicatrizes abdominais, estoma de conduto cateterizável (Mitrofanoff) visível, preocupação com o tamanho do pênis e/ou cicatrizes no órgão genital podem prejudicar a autoimagem e reduzir a autoconfiança da pessoa, levando ao receio de se mostrar ao outro.A função erétil caracteriza-se pela rigidez peniana capaz de penetração. Estudos têm apontado que a taxa de disfunção erétil pode ser maior em pacientes operados de extrofia, mas isso não é confirmado por outros (1,2). Uma série publicada pelo Johns Hopkins, um grupo com bastante experiência no tratamento da extrofia de bexiga, relatou que em 77% dos casos os extróficos se sentiam confiantes de terem ereção capaz de penetração (2). Esse percentual assemelha-se à população de adultos que nasceram sem extrofia. Para que haja ereção normal é preciso que a inervação e a vascularização peniana estejam com boa função. Durante a cirurgia, a inervação pode eventualmente ser lesada, principalmente em mãos menos experientes. Além do mais, os pacientes que operaram de extrofia também podem não estão livres de ser acometidos por problemas que também prejudicam a ereção como diabetes, tabagismo, aterosclerose, alterações neurológicas, etc.
Ansiedade libera adrenalina e noradrenalina que contraem os tecidos internos do pênis e impedem a ereção.
Um tipo de disfunção erétil cujo homem extrófico está susceptível é o psicogênico. Ansiedade libera adrenalina e noradrenalina que contraem os tecidos internos do pênis e impedem a ereção. Problemas de autoimagem, autoconfiança, medo de performance são situações comuns que podem gerar dificuldade na ereção. A boa notícia é que problemas de ereção podem ser resolvidos na sua maioria com medicações como o sildenafil, tadalafil, vardenafil e outras.
O tamanho peniano é algo que causa preocupação dos pais e é uma queixa da maioria dos homens que nasce com extrofia. Os corpos cavernosos (dois cilindros que promovem ereção no pênis) se inserem nos ramos inferiores do púbis, a cada lado. Devido a rotação lateral da bacia e separação do púbis, os corpos cavernosos se afastam um do outro, “trazendo” o pênis para dentro do períneo, ou seja, embutindo o órgão. Na maior parte das vezes o comprimento do pênis está no limite inferior da normalidade. Porém, com o afastamento dos corpos cavernosos, o diâmetro do pênis torna-se maior do que a maioria dos pênis, ou seja, o pênis tende a ser mais grosso. É importante enfatizar que a grande maioria dos homens que nasceu com extrofia tem comprimento do pênis suficiente para penetrar. Como o sexo feminino tem tecido sensorial de forma abundante nos primeiros 3 cm da vagina, o comprimento do pênis não tem associação direta com o prazer sexual da mulher.
Percebe-se que muitas vezes o extrófico tem vergonha de se despir e evita relações sexuais por ficar constrangido pelo aspecto genital. Nesse caso, um acompanhamento com terapeuta sexual pode ajudar bastante na autoaceitação e ajudar para que a pessoa possa ter uma vida sexual normal. A técnica de Kelly para correção de extrofia, que tem ganho uma aceitação cada vez maior, consta na liberação dos corpos cavernosos de cada lado do púbis, preservando-se a vascularização, havendo incremento significativo do tamanho de pênis. Como não há seguimento de longuíssimo prazo, não há como dizer que a taxa de função erétil é similar às técnicas convencionais e que haja mais capacidade de penetração, mas certamente o pênis adquire um comprimento maior.
Outra queixa que pode ocorrer é a curvatura dorsal do pênis (o pênis curva pra cima quando ereto). Essa curvatura pode ser um dificultador a mais na penetração, além de incomodar os pacientes do ponto de vista estético. Curvaturas podem ser tratadas com cirurgias corretivas.
Em suma, pacientes que nascem com extrofia têm condição de ter uma vida sexual normal, sem problemas de ereção, com comprimento de pênis suficiente para penetração. É fundamental trabalhar a autoimagem, autoestima e autoaceitação dos extróficos para que possam desfrutar de forma saudável de sua sexualidade. Acreditamos que o acompanhamento multidisciplinar seja fundamental para alcançar esse objetivo.
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- Rubenwolf PC, Hampel C, Roos F, Stein R, Frees S, Thüroff JW, Thomas C. Continent Anal Urinary Diversion in Classic Bladder Exstrophy: 45-Year Experience. 2017 Feb;100:249-254.
- Baumgartner TS, Lue KM, Sirisreetreerux P, Metzger S, Everett RG, Reddy SS, Young E, Anele UA, Alexander CE, Gandhi NM, Di Carlo HN, Gearhart JP. Long-term sexual health outcomes in men with classic bladder exstrophy. BJU Int. 2017 Sep;120(3):422-427. doi: 10.1111/bju.13866. Epub 2017 Apr 29.
Sobre o autor / colaborador
Dr. Ubirajara Barroso Jr.
Urologista pediátrico formado pelo Children´s Hospital of Michigan (Wayne State University, Detroit), é reconhecido nacionalmente e internacionalmente. É autor de mais de 150 artigos científicos publicados nas principais revistas do mundo, além de ser editor dois livros de Urologia Pediátrica e ter escrito dezenas de capítulos em outros livros. Doutor em Urologia pela Universidade Federal de São Paulo, é pesquisador nível 2 do CNPq e ocupa atualmente a cadeira número 28 da Academia de Medicina da Bahia e é membro da Academia de Ciências da Bahia. É especializado em cirurgias reconstrutoras complexas do pênis, uretra, bexiga e rim.
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